Iniciativa da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo tenta conter aumento no número de denúncias
O Globo, por Tiago Dantas – São Paulo – Funcionários de bares e restaurantes que se envolveram em casos de homofobia estão voltando para a sala de aula em São Paulo. A Secretaria Estadual da Justiça e Defesa da Cidadania pretende levar garçons e gerentes para um curso de direitos humanos a fim de tentar diminuir as denúncias recebidas pela pasta. Só este ano foram abertos 20 processos contra estabelecimentos comerciais que praticaram algum tipo de discriminação, desde constrangimento a agressões físicas contra homossexuais.
A primeira experiência foi realizada semana passada. Cerca de 30 funcionários de uma rede de comida japonesa assistiram a uma palestra de três horas dada pela coordenadora de políticas para diversidade sexual da Secretaria da Justiça, Heloísa Gama. Embora ainda não tenha data marcada para a próxima aula, Heloísa diz que pretende levar a proposta para as associações de bares e restaurantes nas próximas semanas:
— É importante fazer uma sensibilização com esses funcionários, uma ação afirmativa para falar sobre o conceito de diversidade sexual, sobre a legislação que temos no estado e que pune casos de homofobia — disse Heloísa. — Restaurantes são locais onde as pessoas vão relaxar e descansar. A mesma manifestação de afeto deve ser permitida a todos os casais, sejam eles heterossexuais ou homossexuais.
LEI ESTADUAL PREVÊ PUNIÇÃO
A lei estadual 10.948/2001 pune, de forma administrativa, “toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero”. Qualquer cidadão ou empresa que infringir a lei está sujeito a multas que variam de R$ 20 mil a até R$ 60 mil. Em caso de reincidência, o estabelecimento comercial pode até mesmo perder o alvará de funcionamento.
Entre as orientações dadas durante o curso, há uma recomendação específica para responder a clientes que reclamam de um casal homossexual que está se beijando, por exemplo. Segundo Heloísa, quem deve ser convidado a se retirar do restaurante é o cliente intolerante, não o casal. O ator Gabriel Cruz, de 23 anos, e o namorado Jonathan Favari, de 24, passaram pelo oposto disso na madrugada de 3 de agosto, em um restaurante japonês em plena Rua Augusta, uma das mais famosas zonas frequentadas por minorias sexuais na região central de São Paulo.
Segundo Gabriel, após dar um selinho no namorado, funcionários do restaurante pediram que eles deixassem o local, pois estariam “incomodando” outros clientes. Gabriel perguntou para uma família que estava no restaurante se havia algum problema e ouviu que não. Minutos depois, o garçom agarrou os dois namorados pelo braço e os levou para fora. Jonathan foi agredido com um soco por um segurança:
— A gente sempre ouve comentários na rua, gente olhando, mas nunca tinha passado por uma situação como essa. Foi muito surreal — conta Gabriel. — O pior é que vemos que o Estado não está preparado para lidar com esses casos. Depois da agressão, quando chamamos a polícia, os policiais militares ficaram o tempo todo dizendo que isso não ia dar em nada. Na delegacia, ficamos esperando cinco horas.
A denúncia feita por Gabriel e Jonathan foi o que levou a Secretaria de Justiça a elaborar o curso de sensibilização com funcionários da rede onde ocorreu a discriminação.
‘NÃO PODE CONTINUAR ACONTECENDO’
Presidente da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel), Percival Maricato afirma que a categoria é “terminantemente contra” casos de discriminação por diversidade sexual.
— Casos em que há discriminação devem ser punidos. O problema é o exagero, tanto de casais homossexuais quanto heterossexuais. Quando esses casais passam dos limites, os funcionários tentam conter — afirma.
O ator, que insiste que as carícias que trocou com o namorado não foram além de selinhos — nada de muito diferente do que casais heterossexuais fazem com frequência sem ser hostilizados —, diz que vai insistir no caso até o fim:
— Não estamos fazendo isso por vingança, por uma indenização. É uma coisa educativa. É uma questão de direitos humanos. Isso não pode continuar acontecendo.
Fonte: O Globo, publicado em 06 de outubro de 2014.