via Sul 21
Representantes de diversos movimentos sociais e instituições do Estado se reuniram na manhã desta quarta-feira (13) para debater a situação do combate à violência contra a mulher no Estado e a aplicação da Lei Maria da Penha em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia. Em pauta, denúncias de que a gestão de José Ivo Sartori (PMDB) reduziu recursos para a área e que os serviços de proteção se encontram sucateados, o que foi negado pela representante do governo no encontro, e questionamentos sobre a maneira como o judiciário vem lidando com a questão, especialmente quanto às tentativas de mediação e aproximação de vítimas e agressores.
Condutora da audiência, a deputada estadual Stela Farias (PT), ex-procuradora da mulher da Assembleia Legislativa, afirma que está evidente a falta de recursos e de pessoal para as políticas públicas voltadas para o combate à violência contra a mulher, como a Patrulha Maria da Penha, que foi criada na gestão anterior, de Tarso Genro (PT). “Ela funciona em alguns lugares muito mais por esforço pessoal das delegadas daquele local do que por investimento do governo do Estado”, afirma.
Farias saudou a audiência como histórica, por reunir dezenas de mulheres, mas salientou que movimentos e instituições precisam reforçar as atividades da Rede de Proteção à Mulher. “Não podemos ficar caladas, precisamos nos dar conta de que o feminicídio voltou à tona fortemente e que as violências seguem se aprofundando cada vez mais. As mulheres, negras, de periferia são mortas cada vez mais, os seus filhos também”, destacou.
Diretora de Políticas para as Mulheres da Secretaria Estadual de Justiça e dos Direitos Humanos (SDJH), Salma Valencio nega que esteja ocorrendo um sucateamento das políticas públicas voltadas para o enfrentamento da violência contra a mulher. “Temos sim, e não é novidade para ninguém, não escondo isso, uma redução de recursos, até porque os recursos são escassos no Estado, mas todos os serviços estão mantidos. Aqui foi levantado que alguns serviços foram desmantelados, isto não é verídico. O que na verdade nós temos é uma redução do quadro de recursos humanos, temos sim uma precariedade, mas fazemos um esforço herculeo para manter esses serviços”, afirma.
Valencio ainda criticou o que chamou de tentativa de algumas participantes do encontro de fazer política-partidária com a causa, mas saudou o fato de que todas as presentes demonstraram preocupação em resolver as questões e efetivar uma proteção contra a mulher. No entanto, reiterando o que foi dito por uma representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) no evento, disse que é preciso que essas denúncias sejam trazidas ao conhecimento do Estado.
Se a situação é de crise financeira, então é preciso aumentar a articulação e diálogo entre instituições públicas e movimentos sociais, é o que defendeu Luana Pereira, da ONG Themis. “O balanço que a gente tira é que nós temos muitos desafios a enfrentar, mas que o essencial para que a gente seja mais forte para enfrentar esses desafios é que a gente esteja em rede, que a gente una forças e que de fato existam recursos destinados a isso. Foi uma fala repetida, tanto das instituições públicas quanto privadas, de que a gente não consegue fazer políticas sem recursos. Então, acho que é o momento de a gente a ter uma interlocução mais fluida”, afirma.
Papel do judiciário
A maneira como a questão da violência contra a mulher é tratada pelo judiciário também foi alvo de críticas por diversas representantes do movimento. Um dos argumentos centrais é que a Justiça gaúcha estaria atuando no sentido de buscar a mediação dos conflitos adotando técnicas que buscam aproximar mulheres vítimas de abuso e seus agressores, o que foi condenado por diversas participantes. Outra crítica feita foi à atuação da Justiça nos casos de disputa da guarda da criança, em que advogados estariam se utilizando da Lei de Alienação Parental para desconsiderar denúncias de violência contra a mulher e de abuso contra menores, sob o argumento de que tratam-se de denúncias falsas, para reverter a guarda em prol de pais. Promotora de Justiça, Ivana Battaglin afirmou que essa situação só chegou recentemente ao conhecimento do Ministério Público, mas que já está sendo elaborada uma recomendação para que o judiciário mude sua forma de atuar.
Rubia Abs da Cruz, coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, argumenta que o Judiciário vem “experimentando” diversas práticas de mediação judicial, que ainda não foram suficientemente estudadas e sem um maior díalogo com outras instituições, com vítimas de violência doméstica e que isso colocaria a vida dessas pessoas em risco. “É algo de certa forma autoritário, determinista, sem ter um diálogo. O objetivo pode até ser positivo, a ideia pode até ser buscar outros caminhos, mas a Lei Maria da Penha diz para judicializar. Então, o judiciário tem que cumprir esse papel”, afirma Rubia.
Como encaminhamento, a audiência definiu a criação de um fórum permanente para monitorar a efetividade da Lei Maria da Penha no RS e acompanhar o restabelecimento do fluxo pleno de funcionamento da Rede de Proteção a Mulher. “Nós queremos que todos os órgãos do Estado tenham investimento do governo para poder funcionar a plena. Queremos que os movimentos sociais possam ser ouvidos e dar sua contribuição para o governo”, disse Stela Farias.
Também ficou definido que será elaborado um documento com questionamentos a serem entregues ao presidente do Tribunal de Justiça, Luiz Felipe Silveira Difini, sobre a condução do judiciário de questões de violência contra a mulher. “Não é possível que a gente admita que sejam tratadas das questões de violência contra a mulher tentando recuperar as relações dela com o agressor através da justiça restaurativa, que a gente respeita muito, mas não cabe nesse tipo de crime. Vamos tirar um documento e vamos tecnicamente e politicamente dialogar com o TJ”, afirma a deputada.
Ocupação Mirabal
Como último encaminhamento, a deputado Stela propôs uma moção de apoio à Ocupação de Mulheres Mirabal, que ocupa desde o final do ano passado um imóvel no Centro de Porto Alegre e está com reintegração de posse marcada para o dia 26 de agosto. Durante a audiência, representantes de movimentos sociais – a Mirabal estava representada por Priscila Voigt, do Movimento de Mulheres Olga Benário – e de instituições públicas fizeram a defesa da ocupação como um espaço de acolhimento para vítimas de violência e que tem prestado um serviço público, ainda que não oficialmente, na prática.
Representante do governo, Salma Valencio destacou que ela ainda está tentando intermediar a questão para que seja encontrada uma alternativa para que o movimento continue a realizar o seu trabalho e, quem sabe, chegar a um acordo com os proprietários do imóvel, a Congregação dos Irmãos Salesianos. “Entendemos que podem entrar em um acordo e resolver de maneira pacífica sem a necessidade de uma intervenção mais drástica”, diz, acrescentando que sua principal preocupação é com a segurança das mulheres do movimento e as acolhidas.