via Think Olga
Em março deste ano, uma menina de 11 anos do Maranhão, vítima de estupro, não foi autorizada a fazer um aborto porque o tempo gestacional ultrapassava o previsto em lei, de 12 semanas. Ela vinha sendo abusada sexualmente pelo padrasto desde os 8 anos. A equipe médica levou a família a crer que um aborto ofereceria riscos à vida da garota e declarou que vai “encorajar” esta criança a cuidar do bebê. Os médicos estavam despreparados para lidar com um tema tabu, um tema que mexe com julgamentos morais e religiosos, um tema que mexe com questões legais.
No mesmo março de 2017, na véspera do Dia Internacional da Mulher, foi protocolada no Supremo Tribunal Federal uma ação que pretende descriminalizar o aborto. A relatora designada, ou seja, a pessoa responsável pelo andamento da ação, é a ministra Rosa Weber. É simbólico – e bom, nesse caso – que seja uma mulher. Foi feito um pedido de medida liminar, o que significa que é uma medida urgente. “Esta urgência se justifica pelo fato de mulheres se submeterem a abortos todos os dias”, explica Gabriela Rondon, da Anis – Instituto de Bioética, uma das advogadas responsáveis pela ação.
As pessoas não deixam de abortar por ser ilegal. Mas a legalidade, por outro lado, é benéfica. Ao legalizar o aborto, profissionais de saúde poderão ser treinados de maneira a dar orientação e atendimento apropriados às mulheres. Aquela menina de 11 anos no Maranhão não vai mais precisar gestar e parir uma criança concebida por um estupro. Muitas adolescentes não morrerão por medo de procurar ajuda caso tenham uma complicação após um aborto. “Deixar de ser crime leva a um tratamento com mais dignidade, mais respeito à autonomia e diminuição da discriminação das mulheres – principalmente pobres, negras, adolescentes”, reforça Maria das Dores Nunes, médica ginecologista e obstetra e pesquisadora.
Há uma estatística muito poderosa para trazer a noção da realidade comum a muitas mulheres: até os 40 anos, uma em cada cinco brasileiras terá feito um aborto. Se você tem um grupo de dez amigas, isso quer dizer que duas delas fizeram ou farão um aborto. Ou você. Porque cometer este crime e estar sujeita a ser condenada a três anos de prisão é muito recorrente.
Em setembro, mais um dia simbólico para esta luta constante: o Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto (28). Para dar força a esta luta, divulgar a ação, informar sobre o tema e criar uma rede de apoio, a Anis – Instituto de Bioética se prepara para lançar a campanha #EuVouContar, que consiste no trabalho árduo da pesquisadora Debora Diniz de ouvir e publicar histórias de abortos ocorridas há mais de oito anos – quando o crime prescreve perante a lei.
Foi aberto um canal para receber diversas histórias de abortos feitos há mais de oito anos (tempo em que o crime prescreve), que serão divulgadas ao longo de um ano. “Elas sabem que não serão julgadas, só ouvidas. Algumas falam e se vão. Outras falam e esperam que eu diga algo. Pode ser qualquer coisa, em geral, um afago de presença. Eu Vou Contar é uma campanha iniciada pela Anis para ouvir histórias de aborto. Não é um confessionário, pois não há penitência. É só um encontro entre vozes e memórias. São histórias apertadas no peito, para umas; histórias já contadas para umas poucas”, explica Debora Diniz, pesquisadora à frente da campanha.
Começar a retirar o aborto do lugar de tabu é essencial para que as informações circulem, as histórias apareçam, mais pessoas se envolvam e as mulheres, especialmente, percebam que todas são diretamente afetadas pela descriminalização da prática, que é um tema de saúde da mulher, não uma questão de cadeia.
Acreditando nisso, a Think Olga dá as mãos a Anis na produção de conteúdos que serão publicados ao longo dessa semana, de modo a munir as mulheres nessa batalha por direitos e dignidade. Não vamos permitir que as mulheres corram risco de morte em situações de abortamento clandestino. Não vamos permitir que as mulheres tenham medo de ser presas, que se sintam culpadas e eternamente julgadas por sua moral. Cuidar da saúde, da vida e do bem-estar de outras mulheres como se fossem seus é pedir a descriminalização do aborto.