A Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Porto Alegre foi ocupada pelo Coletivo Feminino Plural nesta segunda-feira (7). Em seu pronunciamento, a coordenadora-geral Télia Negrão lembrou a trajetória da entidade ao longo de seus 20 anos e as lutas travadas pelas mulheres porto-alegrenses. Além disso, Télia enumerou os principais desafios que enfrentamos hoje, como o de barrar retrocessos nas políticas públicas voltadas às mulheres, o de garantir maior representatividade na Política e o direito de andar nas ruas de nossa cidade com respeito e segurança.
Leia a íntegra do discurso abaixo:
Pronunciamento de Telia Negrão, coordenadora do Coletivo Feminino Plural na Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Porto Alegre – 07 de Março de 2016
Senhor presidente, senhoras vereadoras e vereadores. Uma suadação especial à vereadora Sofia Cavedon, que hoje responde pela Procuradoria da Mulher desta Casa. Obrigada!
É com sentido de responsabilidade que, em nome do Coletivo Feminino Plural e como Cidadã Honorária desde Município, ocupo esta Tribuna Popular, espaço que já me acolheu inúmeras vezes nos últimos 25 anos. Lugar que pertence a todas nós que acreditamos na democracia, na igualdade e na justiça social como bens maiores a serem defendidos.
Amanhã comemora-se o Dia Internacional de Mulher possivelmente com uma grande pergunta que nos unifica: por que, apesar de tantas lutas e tantos avanços já ocorridos na humanidade, as mulheres e meninas continuam em condição de desigualdade por razões de gênero? Por que é tão difícil reconhecer esta realidade e de fato incidir sobre ela para muda-la e erradicar não só as manifestações, mas as causas que levam a essa desigualdade? E por fim, perguntar o que é que todas e todos nós podemos fazer?
Coletivo FEMININO PLURAL tem 20 anos de existência formal identificada com direitos humanos e cidadania de mulheres e meninas. É hoje uma entidade reconhecida nacional e internacionalmente por sua atuação pelo empoderamento de gênero.
Filiada à Rede Feminista de Saúde e à Rede de Saúde das Mulheres Latinoamericanas e do Caribe e ao Movimento Nacional de Direitos Humanos, atua na incidência política, elabora ações de monitoramento, relatórios, projetos e diagnósticos sobre a situação das mulheres, direitos e políticas públicas.
Participou dos mais importantes movimentos, como a Lei Maria da Penha, as Normas Técnicas Nacionais de Saúde e de Violência Sexual contra Mulheres e Meninas, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres, os Direitos Sexuais e Reprodutivos, e a Reforma do Sistema Político.
Enquanto travamos essas lutas nacionais e internacionais, inclusive nas Nações Unidas, pois coordenamos o Consórcio Nacional para o Monitoramento da Convenção da Mulher, também desenvolvemos ações locais.
Feminino Plural é uma entidade conhecida em várias comunidades, onde trabalha com mulheres meninas para o seu fortalecimento e prevenção à violência. Do Projeto Rede Menina, que capacitou cerca de 250 agentes das redes, passou a desenvolver um programa de ação direta com as adolescentes da Restinga, a Escola Lilás de Direitos Humanos, hoje com o apoio da Vara de Execuções de Medidas Alternativas do Poder Judiciário.
Desde 2011 coordenamos um Centro de Referência para Mulheres Vítimas de Violência em Canoas, onde já acolhemos mais de 2500 mulheres.
A feminização da epidemia de Hiv e da Aids nos levou a desenvolver o projeto Conexões, em que sensibilizamos profissionais de saúde e movimentos sociais sobre a relação do HIV com as violências de gênero. Pois sem poder de negociação, as mulheres são contaminadas em relações sexuais inseguras e com violência, passando a viver novas situações de discriminação, estigma e exclusão.
A falta de um enfoque adequado à atenção à saúde mental das mulheres nos levou a desenvolver o projeto Girassóis, resultando numa proposta de Linha de Cuidado em saúde mental com enfoque de gênero, acolhido pelo Ministério da Saúde.
E porque a vida tem que ser vivida na sua plenitude, há dois anos mantemos um Ponto de Cultura Feminista Corpo Arte e Expressão, com o apoio do Ministério da Cultura e SEDAC, em parceria com varias entidades e artistas. Ali criamos novas formas de questionar o uso mercadológico do corpo das mulheres e a defender a sua autonomia de decidir livremente.
Um Grupo de Estudos e o Acervo de livros denominado Enid Backes, em homenagem a essa grande mulher gaúcha, tem sido espaços de construção teórica e política para uma nova geração de jovens que acreditam e apostam na importância de transformar a sociedade transformando a si mesmas como sujeitos políticos.
Sabemos que por mais que uma organização não governamental possa realizar, é um grão de areia frente aos compromissos que os governos devem assumir para acabar com desigualdades e defender os direitos humanos das mulheres e meninas na sua diversidade.
Entendemos que as causas são estruturais, de caráter histórico e mantidas pela cultura patriarcal, que se cruzam com elementos como o racismo e a homofobia. Portanto são necessárias todas as ações possíveis e impossíveis até para romper com a naturalização da violência e a aceitação do machismo, o racismo e a heteronormatividade como algo imutável.
Em especial, quando temos um quadro nacional adverso. Após tantos avanços em relação às políticas para as mulheres, há ameaças de retrocessos, pois tramitam no Congresso federal projetos que eliminam e reduzem direitos, como a PL que limita a informação para vítimas de estupro e proíbe a interrupção da gestação em casos já previstos pelo Código Penal desde 1940; o Estatuto da Família, que desconhece as formas de relações construídas com base no afeto; a revogação do estatuto do armamento, a retirada de termo “gênero” dos programas da SPM, entre tantas outras.
Grave, ainda, é a baixíssima presença de mulheres na politica. Um dado assustador: se juntássemos todas as eleitas desde o advento da república, não encheríamos um Congresso nacional. Nossa entidade desenvolve a capacitação de mulheres para a política e a liderança, o projeto Mulheres – Cidadãs que podem, com recursos nacionais e em parceria com a UFRGS.
Atuando com o Conselho dos Direitos da Mulher e do Fórum de Mulheres, dos quais somos fundadoras e as primeiras a coordenar e presidir na nossa cidade, em 1997, ajudamos a elaborar e fazer aprovar a legislação pertinente à violência, à mortalidade materna, aos direitos reprodutivos. Desta casa, com nosso apoio, saíram a lei de criação do Comdim e Forum, da política de enfrentamento à violência doméstica e sexual que criou a Casa de Apoio Viva Maria, o serviço para as vítimas de violência sexual, e a rede local, entre tantos outros.
Em 2000, como presidente do Comdim, coordenei o primeiro diagnóstico da rede de atendimento à mulher de Porto Alegre; este conselho que hoje se encontra sem meios para funcionamento, sem sede, sem estrutura física e material.
Em 2010, tive a oportunidade de repetir o estudo, constatando a fragmentação da rede local e a falta de uma política coordenada de ação.
Estamos em ano de Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que reuniu cerca de 500 mulheres neste plenário, e identificou alguns avanços e muitas lacunas em relação às políticas para as mulheres.
Hoje, embora tenhamos o Centro de Referência que homenageia a enfermeira Márcia Calixto, mantemos nossa análise crítica quanto à fragilidade dessa política.
MESMO QUE entre as atendidas pelo serviço nenhuma tenha perecido pela violência doméstica ou de gênero, milhares de outras estão à margem dessa atenção e têm morrido em grande quantidade, sem ter sido, algum dia, abordadas pela politica pública. Não há ações de prevenção e divulgação. O CRM não chega aos bairros.
Nenhuma nova casa abrigo foi criada, ou mesmo uma nova Delegacia especializada, demandas de vinte anos da Zona Sul e da Rede da Restinga, que se reunirá no dia 18 em seu segundo encontro.
A Casa da Mulher Brasileira, projeto pactuado entre união, estado e município, não avançou um milímetro além do discurso que cansamos de ouvir. Por que isso não se resolve? Por que tudo é tão difícil?
Consideramos, ainda, que há um agravamento nas condições de livre circulação das mulheres em Porto Alegre, pelo aumento da violência em todos os espaços. As próprias mulheres estão criando estratégias para circular dia e noite sem ser molestadas, assediadas e sem contar os ataques e assaltos como vítimas preferenciais.
Isso tudo deve fazer nossa cidade pensar qual é o seu papel na segurança pública e mobilizar esforços na defesa da cidadania a que temos direito.
Por fim, nossa cidade continua tendo os mais elevados índices de contaminação por HIV/Aids, consequentemente de transmissão vertical e inclusive de sífilis congênita, mas inexistem estratégias específicas para a população feminina com enfoque de gênero.
Por que não podemos falar sobre isso sem sermos acusadas de sermos contra a política atual de testar e tratar?
Mas, por fim mesmo, quero falar de algumas mulheres especiais, as mulheres com deficiência. Há três anos o Coletivo Feminino Plural passou a apoiar a sua organização para que pudessem elaborar uma agenda com enfoque de gênero. Hoje, com uma Carta contendo suas demandas, as mulheres Inclusivass, coordenadas por Carol Santos, demandam o que está escrito nas leis: a acessibilidade e inclusão universal em todos os locais públicos, sejam governamentais ou comerciais, como postos de saúde, escolas, órgãos públicos, bares, restaurantes, cinemas, teatros, enfim, o mundo que também lhes pertence.
Reivindicam o fim das humilhações no atendimento à saúde, quando deixam de ter prioridade, a instalação de macas e mesas ginecológicas adaptadas as suas necessidades, a capacitação de agentes públicos para entender suas denúncias e demandas, e que Porto Alegre reconheça que não cumpriu nos prazos, a obrigatoriedade de adaptação dos espaços públicos.
Pensamos que quando falamos de mulheres, todas são todas. Por isso, é preciso incluir todas as mulheres na cidadania.
Em nome do Coletivo Feminino Plural agradeço a oportunidade de trazer nossas notícias e coloca-las em discussão.