Luciane Cordeiro, G1 do PR – Há seis anos Jaqueline* tinha medo de voltar do trabalho com os três filhos pequenos. Ela diz que vivia com um marido violento e usuário de drogas, que a agredia todas as vezes que fumava crack. Nos últimos meses, ele começou a agredir os filhos também. Foi então que Jaqueline decidiu dar um basta no relacionamento e denunciá-lo. A Justiça decretou que o companheiro permanecesse a 200 metros de distância da família. Mas, na sexta-feira (13) não foi o que aconteceu.
Jaqueline relata que estava escondida na Casa Abrigo em Londrina, no norte do Paraná, e, quando voltou para casa, descobriu que o ex-companheiro estava morando próximo dali. Chamou a Polícia Militar (PM), pediu para que a medida protetiva fosse cumprida, mas a resposta que recebeu não a agradou.
“Enquanto na Delegacia da Mulher pediram para que eu ligasse para a PM, já que tinha essa medida protetiva, a PM me respondeu que não poderia ir até a minha casa, não poderia fazer nada”, detalha. Com medo, Jaqueline voltou, com os três filhos, para a Casa Abrigo. “Só vou sair daqui quando ele [ex-companheiro] não estiver mais morando lá”, constata.
O medo e a insegurança fazem parte do cotidiano de centenas de mulheres que precisaram sair da própria casa após maridos violentos não respeitarem o limite de proteção estipulado pela Justiça. Para ajudar essas vítimas, Londrina deve lançar, até julho, a Patrulha Maria da Penha. Aproximadamente 20 guardas municipais vão vigiar as mulheres que já possuem medidas protetivas contra os ex-parceiros.
Dessa forma, a patrulha quer evitar que histórias como a de Sharon*, outra vítima da violência doméstica, se repitam. O homem com quem ela namora há dois anos foi violento em duas situações.
- A violência doméstica ainda ocorre por barreiras culturais, porque muitas mulheres sentem vergonha” – Elaine Galvão, socióloga.
Segundo Sharon, o rapaz é usuário de drogas e alcóolatra. No fim de 2012 ele a agrediu pela primeira vez. Ela registrou um boletim de ocorrência contra ele, mas desistiu.
Porém, há quatro dias, o ex-companheiro voltou a agredí-la. Foi aí que Sharon decidiu dar um basta. “Nunca na minha vida a minha mãe ou a minha avó me bateram. Não vai ser ele que vai me bater. Por isso, decidi procurar ajuda e enfrentar o medo que tinha dele”, constata Sharon.
Entretanto, quando esperava que poderia contar com a ajuda da Polícia Militar, percebeu que estava sozinha. “A polícia demorou muito para chegar, e quando chegaram disseram que não podiam fazer nada. Nós, vítimas da violência doméstica, vivemos uma insegurança”, indica.
Por esse tipo de motivo, a Secretaria Municipal da Mulher, Ministério Público do Paraná (MP-PR), Vara de Execução Penal Maria da Penha e a Guarda Municipal querem levar mais segurança para mulheres que deixaram o medo de lado e procuraram a Justiça. A patrulha vai vigiar mulheres que devem ficar longe de homens violentos.
Para se ter dimensão da importância desse instrumento de segurança, somente em Londrina, até fevereiro de 2015, 2.056 mulheres ganharam o direito na Justiça de serem protegidas contra ex-companheiros violentos, conforme dados repassados pela Vara de Execução Penal Maria da Penha. Em todos os casos, o homem deve se manter a uma distância segura e não pode violar o que determinou o juiz responsável pelo caso. Porém, em muitos casos, não é isso que acontece.
“Com a patrulha Maria da Penha esperamos ajudar essas mulheres, que muitas vezes saem da própria casa por medo de seus companheiros. A patrulha vai socorrê-las e ampará-las todas as vezes que esses homens não respeitarem as medidas”, explica a secretaria da Mulher, Sônia Medeiros.
Implantação da patrulha
A prefeitura anunciou que a patrulha Maria da Penha deve contar com dois carros e, a princípio, serão treinados 20 agentes de segurança. A Secretaria da Mulher acredita que a nova equipe começará a trabalhar a partir de julho deste ano.
“As duas patrulhas trabalharão 24 horas por dia e todos os agentes serão articulados. Precisamos de leis e programas eficazes para garantir à mulher a segurança que ela precisa e necessita”, diz a socióloga da secretaria da Mulher, Elaine Galvão.
Em 2014, o Centro de Referência e Atendimento à Mulher (Cam) em Londrina atendeu 512 vítimas de agressão familiar. Deste total, 229 foram casos novos, 38 casos antigos e o restante o atendimento foi realizado por telefone ou chegaram através dos postos de saúde.
“O prefeito já validou o protocolo e sinalizou que vai providenciar os carros. Precisamos concluir o projeto e realizarmos a capacitação dos agentes. Depois disso, montaremos uma agenda para monitorarmos todas as mulheres que possuem medidas protetivas na cidade. Os trabalhos serão pontuais e reforçarão a segurança”, diz o guarda municipal Marco Aurélio Pavan.
Além de Londrina, apenas Curitiba desenvolve esse mesmo trabalho no Paraná. “A Polícia Militar, às vezes, diz que não pode fazer muita coisa. Mas, com essa patrulha teremos a certeza que estamos seguras e que a medida não será desrespeitada”, conclui Sharon.
“Eu tenho três filhos para criar, e por isso não posso viver no abrigo. Preciso trabalhar e as crianças voltar para a escola. Somente com a patrulha terei essa segurança”, diz Jaqueline.
Botão do Pânico
Em dezembro de 2013, o prefeito Alexandre Kireeff (PSD) aprovou a utilização do “Botão do Pânico” no município, um dispositivo criado para proteger vítimas de violência contra mulher. A cidade seria a primeiro do estado a testar o equipamento, desenvolvido e aprovado pelo Instituto Nacional de Tecnologia Preventiva (INTP) em Vitória, no Espírito Santo. Porém, o projeto não saiu do papel.
Pelo projeto original, seriam entregues 50 botões do pânico para mulheres vítimas de violência. Mas, segundo a secretária da Mulher Sônia Medeiros não houve orçamento suficiente para a implantação do dispositivo.
“Somente os 50 botões não atenderiam a necessidade e não tínhamos orçamento para comprarmos mais dispositivos. Além disso, quando foi estruturado o projeto não foi computado o valor de todo o equipamento que precisaria ser comprado, apenas do botão. Não foi levado em consideração o preço da parte operacional”, diz Sônia.
Enquanto o “Botão do Pânico” aproxima a mulher da polícia, a patrulha Maria da Penha vai acompanhar e vigiar essas mulheres de perto.
“A violência doméstica ainda ocorre por barreiras culturais, porque muitas mulheres sentem vergonha e a violência contra a mulher ainda é considerada algo natural dentro do lar. Essa cultura vai mudar quando mostrarmos aos homens que eles não têm esse direito e as mulheres têm o poder”, acredita a socióloga Elaine Galvão.
*Nomes fictícios.
saiba mais : Londrina aprova utilização do ‘Botão do Pânico’ para proteger mulheres
Fonte: G1, publicado em 18 de março de 2015.