Nem sempre percebidos nos grandes centros das cidades, os Pontos de Cultura fazem parte de uma rede com poder de penetração nas comunidades e territórios, em especial nos segmentos sociais mais vulneráveis. A intenção desses espaços é fortalecer entidades comunitárias que trabalhem na área cultural.
Atualmente, a rede brasileira tem 3.501 Pontos de Cultura. No Rio Grande do Sul, são 175 deles distribuídos em 75 municípios gaúchos. Cada um pode receber até R$ 180 mil em um período de três anos. Os recursos financeiros são destinados a projetos de trabalho e à compra de equipamentos para utilização do ponto.
No entanto, o repasse de recursos dos contratos firmados pela Secretaria de Estado da Cultura a partir de dezembro de 2013 – referente a 82 pontos – parou desde o primeiro semestre de 2015. O diretor de Cidadania e Diversidade Cultural da Secretaria Estadual de Cultura, Leoveral Golzer Soares, afirma que os compromissos do governo do Estado referentes aos repasses estão em dia. O que está atrasado, conforme ele, são os valores do Ministério da Cultura (Minc) para com o Rio Grande do Sul.
A atual gestão estadual repassou, de acordo com Soares, cerca de R$ 5 milhões para o sistema. Segundo o representante da Rede dos Pontos de Cultura do Rio Grande do Sul, Leandro Anton, a situação ficou pior com a suspensão dos repasses mesmo para quem estava com a prestação de contas em dia.
Os contratos firmados pela Secretaria de Estado da Cultura, a partir de dezembro de 2013, são de duas modalidades: uma, com 60 vagas e todas preenchidas pelo primeiro edital, são de convênios de R$ 180 mil. A outra categoria, com 100 vagas, oferecia convênios de R$ 60 mil destinado a propostas de organizações com atuação em cidades com até 10 mil habitantes.
Desta categoria somente 22 propostas foram selecionadas – ficou, portanto, um resíduo que exigiria novas chamadas para preencher as 78 vagas existentes. O objeto de convênio entre Sedac e Minc prevê o reconhecimento de 160 organizações culturais do Rio Grande do Sul como Pontos de Cultura – nos primeiros editais, contudo, a soma alcançou apenas 82 pontos.
O Minc discorda e afirma não haver atraso no repasse de recursos. O convênio nº 763224/2011 foi firmado com o governo do Estado e está em vigência até 18/04/2018. O objetivo é de selecionar 160 Pontos de Cultura – para tanto, foi confirmado o valor total de R$ 18.130.000,00, sendo R$ 14.500.000,00 (verba do Minc dividida em quatro parcelas); e R$ 3.630.000,00 (contrapartida do governo gaúcho). Segundo informações do ministério, os recursos só voltariam a ser repassados quando forem preenchidas essas 78 propostas que, somando às 82 aprovadas, completam 160 Pontos de Cultura de convênio.
“Falta vontade de interlocução entre o Minc e a Sedac. A interpretação que está sendo feita é que é preciso preencher as vagas desses pontos que estão faltando para poder continuar o repasse de verbas. Na nossa interpretação, não se pode interromper aquilo que já está contratado”, afirma Anton – ele cita o exemplo de 2014, do governo de Tarso Genro, em que 35 pontos que já estavam aptos a receber a segunda parcela a conseguiram, pois houve um acerto entre o Minc e o Estado.
“Atualmente, há organizações esperando há mais de um ano a segunda parcela do contrato; outras, há mais de seis meses aguardando a terceira parcela e, finalmente, 78 que nem contratadas e ou selecionadas foram para dar início as ações. É o maior convênio deste tipo, entre sociedade civil e secretaria, que a Sedac mantém no Estado”, relata Anton. Comitê gestor é decisivo O Rio Grande do Sul se tornou o primeiro estado a ter uma Lei Cultura Viva Estadual, em dezembro de 2014 (Lei 13.018).
Comitê gestor é decisivo
Com o dispositivo, existe a possibilidade de reconhecimento das organizações e coletivos culturais sediados no Estado, independentemente de fomento, como Pontos de Cultura a partir do cadastro que a lei prevê para fornecimento de certificação.
A mesma legislação estabelece um mecanismo de fomento vinculado ao Fundo de Apoio à Cultura do Rio Grande do Sul (FAC-RS), o que garante a perenidade da rede e de suas ações.
Também está prevista a criação do Comitê Gestor da Política Estadual Cultura Viva – das 18 cadeiras que integram este comitê, seis são oriundas da Rede dos Pontos de Cultura. Uma das reivindicações dos pontos, segundo o representante do Estado, Leandro Anton, é a importância de implementação do Comitê Gestor para que a lei se torne realidade.
Segundo o diretor de Cidadania e Diversidade Cultural da Secretaria Estadual de Cultura, Leoveral Golzer Soares, uma das primeiras audiências que o secretário Victor Hugo manteve ao assumir foi com a comissão estadual da Rede RS Pontos de Cultura. E a primeira medida foi justamente a formação do Comitê Gestor. Naquela oportunidade, a representação solicitou ao secretário que retardasse a iniciativa, uma vez que a comissão gostaria de organizar-se, até mesmo para eleger os seis representantes da comissão estadual.
Passado o período, em janeiro de 2016, de ordem do secretário, foi enviado oficio às organizações apontadas pela lei para que realizassem suas indicações para a formação do órgão colegiado. Isso não ocorreu por parte de algumas organizações, não sendo possível a formação do comitê.
“A não nomeação do Comitê Gestor da Política Cultura Viva hoje está privando mais de 150 organizações culturais do Rio Grande do Sul de poderem acessar recursos do FAC conforme a Lei Estadual Cultura Viva prevê”, reivindica Anton.
Espaços resistem apesar dos problemas
O não repasse de verbas para os Pontos de Cultura prejudica a abrangência dos projetos. A exemplo do Ponto de Cultura Feminista: corpo, arte e expressão, que segue realizando suas atividades majoritariamente na Restinga, mas com menor periodicidade.
“O recebimento do valor, já que fomos contempladas em edital público por responder a todas as exigências do Minc e da Sedac, representa um direito de toda a sociedade, a começar pelas comunidades atingidas pelas ações artísticas promovidas pelas entidades – aulas, oficinas, rodas de conversa, dentre outras”, alega a coordenação. Coordenado pelo Coletivo Feminino Plural, o projeto busca acionar o corpo das meninas e mulheres como território de múltiplas possibilidades de expressão.
Já o Quilombo do Sopapo, que incentiva e desenvolve ações comunitárias, na região do Cristal, com jovens trabalhando com arte, cultura, cidadania e economia solidária, afirma que esta falta de repasses gera prejuízos incontornáveis. “Estes planos de trabalho e ações estão focados em formação e não em eventos, portanto, a interrupção do processo de formação que é para a comunidade gera prejuízos muitas vezes incontornáveis, pois estamos falando de processos predominantemente com jovens e também do vínculo de trabalhadores da cultura, e não podem deixar de manter suas atividades produtivas e de geração de renda na expectativa de algum dia chegar os recursos que estão previstos para estas ações”, afirma o coordenador geral do Quilombo do Sopapo, Leandro Anton, também representante dos Pontos de Cultura RS.