Vinicius Sassine/O Globo — O governo da presidente Dilma Rousseff se ancora numa informação para tentar manter a lei que ampara mulheres vítimas de violência sexual: a quantidade de abortos legais caiu pela metade desde a massificação da pílula do dia seguinte. A Lei 12.845, de agosto do ano passado, garante atendimento obrigatório a vítimas de violência sexual, com “profilaxia da gravidez” e fornecimento de informações sobre a possibilidade legal do aborto. No mesmo dia da sanção, a presidente enviou um novo projeto à Câmara que faz adequações à lei, de forma a minimizar a oposição dos grupos religiosos. Os ministros da Saúde, da Justiça e da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência argumentaram na justificativa do projeto que a implementação “efetiva” da pílula do dia seguinte no SUS fez a quantidade de abortos legais cair de 3.285, em 2008, para 1.626, em 2012. Por isso, seria importante manter e explicitar a profilaxia na lei.
As bancadas católica e evangélica na Câmara tentam revogar a Lei 12.845. O instrumento usado para isso é um projeto do líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ). O governo, até agora, está perdendo a queda de braço. O líder do PROS na Câmara, Givaldo Carimbão (AL), protocolou na última quarta-feira um requerimento de urgência para que o projeto sobre a revogação da lei seja levado imediatamente a plenário. Carimbão tem como base eleitoral comunidades da Igreja Católica. A iniciativa é capitaneada pelo próprio líder do PMDB, autor da proposta, e conta com apoio de diferentes lideranças na Casa. Se o requerimento for aprovado, o projeto deixa a Comissão de Seguridade Social e Família e vai direto à votação em plenário.
Carimbão protocolou o pedido no mesmo dia em que O GLOBO publicou o posicionamento de Dilma sobre o aborto. Ela citou a Lei 12.845 como garantia para que as mulheres que abortam tenham atendimento “imediato e obrigatório” nos hospitais do SUS. A presidente defendeu que a interrupção da gestação por motivos “médicos e legais” pode ser feita em todas as unidades do SUS. A lei assegura o aborto em casos de estupro, risco de morte à mulher e feto anencéfalo.
A sanção da Lei 12.845 gerou fortes protestos por parte de grupos religiosos. Dilma, então, apresentou no Congresso um projeto que faz dois reparos na lei. O primeiro restringiu a definição sobre violência sexual: na lei, é “qualquer forma de atividade sexual não consentida”, e, no novo projeto, “todas as formas de estupro, sem prejuízo de outras condutas previstas em legislação específica”. E o termo “profilaxia da gravidez” deveria ser substituído por “medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”, segundo sugestão do Palácio do Planalto.
A elaboração do anteprojeto coube ao então ministro da Saúde, Alexandre Padilha; ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; e à ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci. Eles consideraram que o texto da lei, oriundo do Congresso, contém “imprecisões técnicas” que podem levar a interpretações errôneas.
A definição de violência sexual, por exemplo, “deixa dúvidas quanto à extensão dos casos”. Já a menção mais clara à pílula do dia seguinte objetiva dar continuidade ao “sucesso” da política de proteção à saúde da mulher, que conseguiu prevenir a gravidez resultante do estupro e reduzir pela metade a quantidade de abortos legais. O projeto de lei do governo depende de pareceres das Comissões de Seguridade Social e de Constituição e Justiça.
Publicado em Monitoramento da Cedaw, em junho de 2014.