Coordenador do Renafro Saúde destacou racismo como entrave na saúde da população negra

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Na quinta-feira, 21 de março, data em que se celebrou o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, o Coordenador da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiros e Saúde (Renarafro  Saúde), José Marmo (foto), conta em entrevista ao UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, o que ainda precisa ser feito para que problemas como o racismo, determinante social de saúde, não afetem mais o atendimento de negros e negras nos serviços de saúde no Brasil.

A Rede que completa uma década de existência neste ano, vem contribuindo  para que a atenção à saúde da população negra no país, e em especial das pessoas adeptas às religiões de matrizes africanas, conquistassem espaço na agenda pública. Para Marmo, embora muito ainda deva ser feito, é preciso reconhecer os avanços e buscar novas estratégias de monitoramento das políticas publicas e controle social por parte da sociedade civil, mas também do Sistema Único de Saúde em reconhecer as suas fragilidades.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

UNFPA – O que motivou o grupo a constituir uma Rede que discutisse religião e saúde? A motivação daquele momento ainda é atual? Se não, o que mudou?

José Marmo – A necessidade de garantir que os terreiros pudessem ter o direito à saúde, porque naquela época, o Programa de Saúde da Família (PSF) não entrava nos terreiros por conta de todo imaginário negativo relacionado às religiões de matrizes africanas. Na medida em que fomos conquistando espaços, fomos vendo que era importante mostrar para o Sistema Único de Saúde (SUS) os modelos de atenção e cuidado nos terreiros, que têm características do acolhimento, do cuidado, da escuta, e que poderiam influenciar as políticas públicas de saúde.

UNFPA – Quais foram as maiores conquistas da Rede Afro de Religiões durante os seus dez anos de existência, quais os maiores desafios que precisam ser superados?

José Marmo – A conquista maior foi à inclusão dos terreiros e outras religiões de matriz africana na Politica Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e ser aprovada por unanimidade no Conselho Nacional de Saúde. E o maior desafio ainda é descontruir o imaginário negativo sobre as religiões de matriz africana dentro do SUS e a intolerância religiosa dentro do sistema.

UNFPA – Quais as maiores contribuições das religiões de matrizes africanas no campo da saúde pública, em especial no campo das políticas públicas de saúde e sua operacionalização nos estados e municípios brasileiros?

José Marmo – Nesse momento a maior contribuição que estamos dando é acompanhar a PNSIPN. Outra contribuição é mostrar que o ato de cuidar pode ser compartilhado pelos terreiros e pelo SUS, e que os terreiros são espaços promotores de saúde, muitas das coisas que as políticas estão propondo, como por exemplo, a Politica Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, que fala sobre a fitoterapia e o uso das folhas. Esse saber é milenar e é dos terreiros. Ou seja, já temos esse saber e podemos compartilhar com o SUS. E para a operacionalização é importante que a Rede participe das ações de formação para inserir esse e outros temas, como a visão do mundo e o cuidar da saúde dos terreiros, isso precisa estar na formação dos profissionais de saúde. Tanto para quem está nas universidades, com aqueles e aquelas que já estão formados/as.

UNFPA – A Rede tem grande importância na implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, o que destacaria como maior entrave para a efetivação dessa Política?

José Marmo – O Racismo. O Racismo é o maior entrave e faz com que, muitas vezes, o gestor fique paralisado na hora de executar a Política. Muitas vezes eles/elas não sabem que são racistas. Ao longo do tempo vão percebendo o quanto são. A gente está num pais que se diz racista, mas “você não é racista. O outro é que é racista”. Para mim o racismo é o que impede que a politica realmente aconteça de fato.

UNFPA – De que forma a intolerância religiosa também afeta a saúde da população negra e como trabalhar para que esse tipo problema seja extinto dos serviços de saúde do Brasil?

José Marmo – A intolerância religiosa afeta na medida em que a pessoa tem uma identidade em que a religião é fundamental, se ela não pode se expressar, vai produzir vários fatores de desequilíbrio. Por isso o Sistema Único de Saúde há de considerar este tema  quando se fala em Política Nacional de Humanização do SUS, essa política não combina com racismo, sexismo e a as diversas formas de intolerância. O SUS tem que ter estratégias de acolhimento e integração dessas pessoas, uma vez inclusive que, na verdade, são elas que dão o suporte para o que o SUS funcione.

UNFPA – No dia 21 de março, se comemora o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. O que ainda é preciso ser feito para que as políticas públicas voltadas para o enfrentamento ao racismo sejam de fato efetivadas e qual a melhor forma da sociedade civil estar ainda mais vigilante no controle social dessas políticas?

José Marmo – Primeiro é preciso que o Estado possa ter compreensão dos impactos do racismo na vida das pessoas, porque às vezes acho que o Estado não tem essa compreensão. Fala de racismo, de igualdade racial, mas não tem noção do impacto que o racismo tem na vida das pessoas. Precisamos de políticas, políticas de Estado e não de governo. Politicas de promoção da igualdade racial, mas de Estado, e não de Governo, que ocorre quando o governo sai e leva aquela política e acaba o setor voltado para o tema, como vemos em diversos estados e municípios. A sociedade civil tem de estar participando de todos os espaços de decisão, nos conselhos, de saúde, criança e adolescente, das mulheres, tem de estar em todos os espaços de decisão, para que elas acompanhem, monitorem e também possam interferir e mudar as políticas quando não são satisfatórias para a população negra.

UNFPA – De que forma a parceria com o UNFPA contribui para que os objetivos da Rede sejam alcançados?

José Marmo – Acho que o Fundo teve a sensibilidade de perceber que os terreiros estão em espaços onde as políticas sociais tem maior dificuldade em chegar, que são onde você tem difícil acesso em relação ao SUS, em relação ao emprego… Diversos fatores que dão impacto social para as pessoas. O UNFPA foi um apoiador que fez com que abríssemos um canal de interlocução entre a Rede e a gestão pública, nos apoiando em treinamentos onde pudemos construir instrumentos e suporte para o enfrentamento do racismo e da intolerância religiosa no Sistema Único de Saúde.

UNFPA – De que forma o IX Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde contribuirá para o melhor e maior diálogo entre as lideranças de terreiros, gestores e profissionais de saúde, assim como conselheiros de saúde? Já foi pensado algum tipo de estratégia pós- evento, para que os diálogos e acordos que surgirem da ocasião sejam monitorados?

José Marmo – Pensamos em uma estratégia antes do evento, de ter uma reunião com os diversos setores do Ministério da Saúde (MS), com diversas áreas e programas, para falar e apresentar a visão de mundo dos terreiros em relação à saúde. Apresentar as atividades que a Rede tem desenvolvido e apresentar os terreiros como espaços promotores de saúde. A outra estratégia foi incluir as pessoas que tomam decisões no campo da saúde dentro do seminário. Fazendo uma aproximação das lideranças dos terreiros e dos conselheiros de saúde e essas pessoas que fazem a gestão da saúde. Nós pretendemos ao final do seminário fazer outra reunião onde possamos tratar uma linha de ação a nível nacional com o MS e as secretarias estaduais de saúde, onde os terreiros possam ser contemplados em todos os programas e ações do SUS.

Também haverá uma interlocução durante o seminário. No evento teremos muita gente do SUS que toma decisão, não apenas técnico, mas o gestor também vai participar e dar sua contribuição. Após seminário pretendemos fazer outra reunião com algumas lideranças de terreiros e conselheiros de saúde porque a gente também entende que os conselheiros e conselheiras de saúde são importantes para a inclusão na pauta de saúde as demandas e necessidades do terreiro. Também pretendemos fazer pauta com os órgãos de Promoção de Igualdade Racial, para que juntos possamos pensar em uma estratégia politica para inclusão de terreiros no SUS, porque ainda está muito difícil. Lembrando que a Estrategia de Saúde da Familia, desde quando fundamos a Rede é um grande problema e em muitos locais até hoje o antigo Programa, agora Estratégia,  não visita os terreiros. Ou seja, não garantem o direito humano à saúde para essas pessoas que moram, vivem nos terreiros.

* Entrevista concedida à Gabriela Borelli e Midiã Santana/UNFPA Brasil.   Foto: Arquivo Pessoal/UNFPA. http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/noticias/entrevistas/516-coordenador-do-renafro-saude-destaca-racismo-como-entrave-na-saude-da-populacao-negra

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