É possível estabelecer uma conexão entre HIV/Aids e Violência de Gênero em Viamão?

Telia Negrão organizando a Rede. É só conectar!
Projeto Conexões – A desigualdade de gênero é um dado histórico da sociedade patriarcal caracterizada pela hierarquização das relações sociais. Essas desigualdades sociais, políticas e econômicas promovem a maior vulnerabilidade das mulheres ao HIV e à violência. Elas impactam na saúde, na segurança dessas mulheres e também das meninas pela sua magnitude. Tanto a violência de gênero quanto a infecção pelo HIV/Aids são consideradas epidemias pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas afinal, é possível conectar as duas epidemias que afetam de forma particular a população feminina, em especial no Rio Grande do Sul?
Para a cientista política e jornalista Telia Negrão tanto é possível, como se pode atestar a partir da experiência vivida por mulheres que passaram por situações de violências, viveram relações desiguais, como por aquelas que se tornaram positivas para o HIV. Dificuldades na negociação do preservativo, uso de drogas, confiança no companheiro, baixa auto estima, sexo desprotegido fazem crescer a epidemia entre mulheres jovens. A vivência com a Aids é marcada pelos preconceitos e estigmas, classificados como violência pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelos inúmeros estudos e denúncias do Movimento de Mulheres. Em razão dessa combinação de fatores, há necessidade de compor uma Rede articulada de ações, que de um lado deve abordar o enfrentamento às violências de gênero e de outro, de atenção à saúde com a perspectiva da integralidade.
Durante os dois dias de intenso trabalho no curso de capacitação intitulado “Desvendando conexões entre o HIV/Aids e a Violência de Gênero” – promovido pela Ong Coletivo Feminino Plural, no contexto do Projeto Conexões, percebeu-se que o maior desafio é fazer com que essas duas áreas dialoguem, pois isso implica, além de quebrar a fragmentação das ações, a adoção do enfoque de relações de gênero nas políticas públicas. O projeto se propôs a sensibilizar quem está com a “mão na massa”, ou seja, profissionais da saúde, dos serviços de atenção à violência, da segurança pública e a sociedade civil, conselheiras de saúde e da mulher e chamar gestoras e gestores  para a construção de novas estratégias e práticas.
Segundo Telia, quando se buscam ações conjuntas para o enfrentamento dessas duas epidemias, os verbos a serem conjugados são: mapear, conhecer, planejar, pactuar, avaliar e monitorar. E isso envolve governo e sociedade. “A nossa busca é fazer com que as mulheres que passam pela Rede de Atenção à  Violência sejam vistas na sua integralidade e que ocorra o mesmo na Rede da Saúde. Para dialogar, as duas Redes devem reconhecer-se dentro de suas responsabilidades e habilidades, considerando os fatores que atuam para que as mulheres sofram violências e também se contaminem com o vírus e sofram novas violências em suas trajetórias de vida. Por isso é muito importante planejar estratégias de ações conjuntas”, avalia.
 
Por que Viamão?
Viamão foi uma das cidades escolhidas pelo Projeto Conexões para realizar a capacitação e estudos de caso porque é um dos municípios com maior incidência da doença no Rio Grande do Sul .O estado possui um dos maiores índices de novos casos do Brasil e a mortalidade por Aids chega a 13 casos por 100 mil habitantes, bem acima da média nacional, que é de 8 casos para 100 mil habitantes. De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde, a incidência (casos novos que surgem) de pessoas infectadas pelo HIV apresentaram, no ano de 2010,  57,6 casos por 100 mil habitantes; O ápice do contágio foi em 2012, quando foram detectados 73,8 casos para 100 mil habitantes e caíram para 54,3 no ano de 2013. Esses dados, comparados com a epidemia no Brasil, cuja incidência é de 20, 2 casos por 100 mil habitantes, mostra que o município tem uma das maiores taxas do país.
Segundo a coordenadora municipal DST/Aids de Viamão, Maria Letícia Ikeda, os dados de redução da epidemia em Viamão no ano de 2013 devem ser melhor estudados pois não houve uma mudança significativa na política para que ocorresse essa redução. Pode na verdade, ser sinalizador de algo grave. Segundo ela, “a população de Viamão ou está sem diagnóstico ou não foi notificado nem tratado ou pode ter morrido. A epidemia não melhorou”, conclui.
A violência contra mulher como expressão das desigualdades de gênero mostra que a cidade vizinha da capital gaúcha é, como muitos municípios gaúchos, um lugar inseguro para suas moradoras. Em 2014 foram registrados quase 4 mil boletins de ocorrência, e de janeiro a abril deste ano (2015) foram despachadas 157 medidas protetivas de urgência, ou seja, cerca de 1,7 casos por dia. Segundo a Delegacia da Mulher recentemente instalada, apenas um serviço de apoio compõe a Rede de Atenção, que encaminha mulheres em risco para um abrigo que, como o serviço, também não segue as normas técnicas nacionais. Apesar do intenso trabalho das equipes desses locais, são evidentes as lacunas de pessoal e de recursos para a atuação. O atendimento às vítimas de violência sexual é apenas iniciado no município, que as encaminha para exames periciais em Porto Alegre.
Quem palestrou no curso?
No primeiro dia do evento participaram como palestrantes a representante do Movimento Nacional Cidadãs Positivas (MNCP), Sílvia Aloia; a coordenadora municipal DST/Aids de Viamão, Maria Letícia Ikeda; o escrivão da polícia civil da Deam de Viamão, Marco Antônio Serpa e a coordenadora da Coletivo Feminino Plural, Telia Negrão. Já no segundo dia de evento, os palestrantes foram a coordenadora executiva da Anaids, Marcia Leão que também coordena o Fórum de Ongs Aids do RS; a coordenadora do Centro de Referência da Mulher, de Canoas, Renata Jardim; a perita criminal do Instituto Geral de Perícias (IGP), Andrea Brochier e a coordenadora do Projeto Conexões, Neusa Heinzelmann. Conselheiras de Saúde, de Direitos da Mulher e profissionais das Redes trouxeram suas realidades e demandas.
 

De onde veio esta ideia?
o Projeto Conexões – Estratégias Intergradas de Combate ao HIV/Aids e a Violência de Gênero surge a partir da campanha internacional “Women Won’t Wait – Mulheres não Esperam Mais – acabemos com a violência e a Aids já” criada em 2006 para abordar a relação entre as duas epidemias.  A Coletivo Feminino Plural coordena esta campanha no Brasil, ao lado da Ong Gestos, do Recife.

O que foi abordado no curso?
Entre os temas debatidos: “A violência de gênero e HIV/Aids”, “Violência Sexual”, “Atenção em Saúde e Enfrentamento à Violência contra a Mulher”, “Norma Técnica da Violência Sexual”; “Notificação da Violência”; “Notificação do HIV”, “Conceito de Rede: atenção em saúde e enfrentamento à violência contra a mulher”.
Fizeram parte da mesa de abertura do evento:
Abertura do evento com Sandra Sperotto e Neusa Heinzelmann,
A coordenadora do Conselho Municipal de Viamão, lara Fraga; a coordenadora Municipal DST/Aids de Viamão,Maria Letícia Ikeda; a coordenadora da Seção Estadual DST/Aids, Marina Silvestre; a secretária de Saúde de Viamão, Sandra Sperotto; a coordenadora da Ong Coletivo Feminino Plural e da Rede Feminista de Saúde dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Telia negrão; a coordenadora do Projeto Conexões, Neusa Heinzelmann; o escrivão da polícia civil da Deam de Viamão, Marco Antônio; as representantes do Fórum Ong Aids, Teresinha Dias e da Coordenadoria da Mulher de Viamão, Lisiane Pimentel.
Fonte: Projeto Conexões, por Claudia Sobieski e Telia Negrão, publicado em 10 de abril de 2015.
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