Suzy Scarton/JC – Com a intenção de colher relatos que servirão como base para a compilação de relatórios, a Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em parceria com o Coletivo Feminino Plural, lançou, nesta quinta-feira, o Observatório da Violência Obstétrica no Brasil (www.observatoriovobrasil.com.br). O site, que ainda será abastecido com dados e estatísticas, permite a postagem de relatos, anônimos ou não, de mulheres que tenham sofrido algum tipo de violência durante a gestação.
A doutora e professora Carmen Simone Grilo Diniz, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, apresentou um breve histórico da luta feminista pelos direitos humanos no parto. Para ela, a violência durante o parto serve como instrumento para a venda de cesáreas. “Se não fosse assim, violento, assustador, não haveria necessidade de promover a cesárea. O parto espontâneo bagunça a previsibilidade do parto. Para que ocorra com naturalidade, deve ser respeitada a imprevisibilidade da fisiologia da mulher”, afirma. Carmen defende que a vontade da mulher seja ouvida e, principalmente, que ela receba informações honestas a respeito dos processos de parto e de cesárea, sem que sejam baseados em mitos.
Diante de um auditório da Escola de Enfermagem da Ufrgs lotado quase que exclusivamente por mulheres, Carmen exemplificou como funciona o chamado “padrão ouro” da assistência para o parto de mulheres saudáveis. A gestante deve estar com pelo menos 39 semanas completas de gravidez, o parto deve ter início espontâneo, desenrola-se sem o uso de drogas, termina com a mãe ilesa, sem feridas cirúrgicas, e utiliza o mínimo de tecnologia necessária, sendo obrigatória apenas a observação qualificada. “Quando necessária, a intervenção médica deve estar disponível. A principal intenção é que a maioria saia do parto sem nenhuma lesão.”
Os principais relatos dizem respeito à prática da episiotomia (corte realizado na região do períneo para ampliar o canal de parto), ao uso discriminado da ocitocina, que acelera o trabalho de parto, à manobra de Kristeller (aplicação de força na parte superior do útero em direção ao canal de parto, já desaconselhada pela Organização Mundial de Saúde) e à adoção da litotômia, posição ginecológica utilizada na maior parte dos partos.
Coordenadora-geral do Coletivo Feminino Plural, Télia Negrão lamentou a falta de relatórios oficiais sobre violência reprodutiva no Brasil. “Devido à instabilidade política, a prestação de contas internacional, que deveria ter sido feita este ano, não ocorreu. Assim, os grupos ativistas ficam impossibilitados de apresentar relatórios paralelos”, critica.
Fonte: Jornal do Comércio, Porto Alegre, publicado em 04 de novembro de 2016.