Atualizada em 15 de setembro de 2016.
Em 2014, durante audiência realizada na comarca de Júlio de Castilhos, o Promotor de Justiça Theodoro Alexandre da Silva Silveira, na presença da Juíza Priscila Gomes Palmeiro e de serventuários da justiça, humilhou e culpabilizou, sem receber qualquer admoestação naquele momento, uma adolescente de 13 anos que engravidou do próprio pai, o qual a abusou sistematicamente por dois anos. O caso ocorrido em 2014 apenas veio a público após o recurso chegar ao Tribunal de Justiça e a 7ª Câmara Criminal denunciar o fato para a Corregedoria do Ministério Público. No entanto, durante dois anos manteve-se silente o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública, ainda que declarações como as seguintes constassem em um processo institucional ao qual diversos servidores certamente tiveram acesso.
“Pra abrir as pernas e dar o rabo pra um cara tu tem maturidade, tu é autossuficiente, e pra assumir uma criança tu não tem? Tu é uma pessoa de sorte, porque tu é menor de 18, se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva agora, pra tu ir lá na Fase, pra te estuprarem lá e fazer tudo o que fazem com um menor de idade lá”.
A vinda à tona desse caso reforça o que o movimento feminista vem afirmando durante anos de luta: o sistema de justiça é, via de regra, machista, misógino e violento. As vítimas de abuso sexual são revitimizadas ao passarem pelo crivo de perguntas que muitas vezes servem não para elucidar os casos, mas sim para colocá-las no lugar de rés. A conduta do Promotor Theodoro não representa nada de novo. Faz parte da “cultura do estupro”, que ignora a conduta do agressor e passa a investigar a vida pregressa da vítima, a fim de justificar o abuso sexual. Ainda que esse caso cause um choque maior dadas as circunstâncias, sabemos que condutas como essas são não raro repetidas impunemente no sistema de justiça, acompanhadas muitas vezes de preconceitos racistas e classistas, repelindo que as mulheres busquem seus direitos e mantendo-nas em um ciclo de violência.
É importante ressaltar que a adolescente exposta e humilhada por Theodoro, por ser menor de 14 anos na data do fato, foi vítima de estupro. Independente de consentimento, às menores de 14 anos é presumido de forma absoluta o abuso sexual. Portanto, era direito da vítima a realização de aborto legal, conforme previsto no Código Penal, procedimento este que não exige autorização do judiciário, quanto menos seu julgamento moral. Apesar da realização do procedimento ser inteiramente legal, isso não furtou a adolescente de ser submetida à humilhação de questionamentos e declarações como as seguintes.
“Tu teve coragem de fazer o pior, matou uma criança, agora fica com essa carinha de anjo. Eu vou me esforçar o máximo pra te pôr na cadeia. Além de matar uma criança, tu é mentirosa? Que papelão, hein? Vou me esforçar pra te ferrar, pode ter certeza disso, eu não sou teu amigo”
Não bastasse os absurdos carentes de fundamentação jurídica e repletos de machismo colocados pelo Promotor Theodoro, é de se espantar a omissão da Juíza e dos demais serventuários de justiça presentes na audiência, que pecaram no seu dever de informar a infração cometida pelo Promotor à Corregedoria. A inércia estatal por dois anos apenas reforça o quanto condutas como essas são tomadas como naturais. Em nota pública, o Ministério Público do Rio Grande do Sul classificou a conduta do Promotor como “exagerada” e que ele havia “extrapolado no exercício de suas funções”. Infelizmente, tudo isso também reforça o quanto esse caso representa apenas a ponta de um iceberg maior, que se repete cotidianamente com mulheres que buscam a justiça enquanto vítimas e acabam sendo colocadas no banco de réus, por sucessivos “exageros” dos serviços públicos.
Assim sendo, exigimos o imediato afastamento preventivo do Promotor Theodoro de suas funções e, após o processo administrativo, a devida punição do mesmo, nos termos do Estatuto do Ministério Público. Ainda, requeremos a instauração de procedimento criminal pela Procuradoria Geral da Justiça, em razão da prática de constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal) por parte do Promotor.
Apoiamos a mobilização independente do movimento feminista, em protesto a se realizar na segunda feira, dia 12 de setembro, às 17 horas, chamado “Fora Theodoro”, o qual cobrará respostas imediatas da Corregedoria do Ministério Público acerca dos fatos narrados.
Por fim, exigimos também a mobilização do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul para capacitar seus servidores sobre gênero e direitos humanos, de maneira multidisciplinar e dialogada com os movimentos sociais, bem como o acompanhamento rígido das infrações disciplinares relacionadas a esses temas, cometidas por seus subordinados.
Porto Alegre, 12 de setembro de 2016.
Associação de Mulheres Brasileiras (AMB)
CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
CLADEM – Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
Coletivo Feminino Plural
Frente Parlamentar de Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres
Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa
Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
THEMIS – Gênero, Justiça e Direitos Humanos