Correio do Povo – Apesar da presença feminina cada vez maior nos cargos públicos e em posições tradicionalmente masculinas, as representações da mulher como subalterna ainda não estão eliminadas na sociedade brasileira. Neste sábado, em mais uma celebração do Dia Internacional da Mulher, o que se percebe é que essa visão não está perto de mudar. Para a coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero (Niem), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Jussara Reis Prá, o que chama a atenção nos resultados de pesquisas em que foram ouvidas pessoas de 15 a 29 anos, de 2010 a 2013, é a dificuldade das entrevistadas de romper com sistemas e estereótipos de gênero orientados pelo sexismo. “Suas falas realçam tensões e ambiguidades sobre a construção social do feminino e do masculino. Em relação à família aparece a ingerência da mãe na reprodução dos papéis de gênero, pois ‘ela ensina o machismo’”, explica.
Em relação à participação no mercado de trabalho, existe a ideia de que as mulheres recebem salários menores e a de que “elas precisam se impor para conquistar cargos de chefia”. Mesmo que os pesquisados considerem ser necessário mudar essas realidades, muitas vezes consideram como “naturais” e “inevitáveis”, demonstrando conformismo.
Outro comportamento que se verifica no Brasil é a dificuldade dos homens de compartilhar tarefas domésticas e o cuidado dos filhos. “Esse quadro reflete padrões culturais da sociedade brasileira que situam o homem como provedor do lar e a mulher como responsável pelo cuidado da casa e da família”, ressalta a doutora em Ciência Política. O panorama, segundo ela, sinaliza para a necessidade de mudanças culturais, de mentalidades e comportamentos para haver realmente equidade de gênero.
Jussara avalia, com base em estudos e pesquisas, que as mulheres ainda deparam com muitas limitações. Há vários segmentos em que elas estão sub-representadas. “Em muitos setores permanecem estereótipos e discriminações em relação à participação de mulheres. Isso fica evidente, por exemplo, na política”, descreve a professora. Ainda que haja uma presidente da República, as mulheres são minoria em cargos parlamentares e ministeriais e em secretarias de Estado.
“Ao mesmo tempo, ainda compete a elas a responsabilidade pelas tarefas domésticas, pelo cuidado de filhos ou crianças, assim como de pessoas doentes e idosas”, destaca Jussara.
Na edição impressa deste domingo, o jornal Correio do Povo continuará abordando o Dia Internacional da Mulher, com foco nos reflexos da independência financeira na vida delas.
Roselaine inova há 28 anos
Em maio, Roselaine Bolzan Streibel completará 28 anos na carreira escolhida pela inovação. “Era incomum nos anos 1980 uma mulher pilotar o trem. Mas fiz o concurso e, por ser desafio, gostei muito da profissão.” Roselaine conta que fica na cabine, e assim não tem muito contato com os usuários. “Nossa responsabilidade é muito grande. Temos sempre que priorizar a vida das pessoas e o bom atendimento.” Entre seus sonhos está o de conviver com mais mulheres pilotando. Hoje, Roselaine está entre as 31 pilotos da Trensurb ante 151 homens.
Delma luta por direitos iguais
Na família na qual nasceu, em Jaguari, as mulheres eram ensinadas a ser boas mãe e esposas. Mas seu espírito de liderança e a vontade de defender a igualdade entre as pessoas fizeram de Delma Silveira Ibias uma advogada, ainda na década de 1980. Morando há mais de 30 anos na Capital, ela conta que sempre classificou como “injusta” a diferença que ainda separa as mulheres dos homens no mercado de trabalho. Hoje ela preside a Comissão da Mulher Advogada na OAB/RS e é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família do RS.
Desafio de Paula como empresária
A primeira meta de Paula Reali, 33 anos, era se formar em Fisioterapia. A segunda, montar um negócio, com o marido, no ramo de estética. “É uma área de que eu gosto muito. É a minha vocação”, conta. Com ambos os sonhos realizados, Paula hoje emprega centenas de pessoas, desde que fundou duas clínicas na Capital, em 2005. Feliz com o sucesso do negócio, Paula vive agora outra grande experiência como mulher. Se tornou mãe há poucos meses e tem se dividido entre as tarefas de casa e do trabalho. “Dá para conciliar. Tem tempo para tudo.”
Vida de Janete é na estrada
Filha, sobrinha, prima de caminhoneiros, Janete Terezinha Magalhães Quevedo, 47 anos, não “caiu longe do pé” e já guiou todo o tipo de veículo. Aos 12 anos, dirigia o caminhão da família para transporte de safra no Interior. Nascida em Quaraí, cursou os primeiros semestres de Administração de Empresas, por insistência do pai. “Mas não era o que eu queria. Minha vida é a estrada.” Há sete meses viveu a grande emoção: foi admitida pela Ouro e Prata, onde sempre desejou trabalhar. “Entre os 360 motoristas, somos só três mulheres.”
Márcia conquista ramo masculino
A Medicina Legal foi a especialidade que abriu oportunidade de trabalho para Márcia Vaz. Dos seus 52 anos, 25 foram dedicados à profissão de legista, no Departamento Médico-Legal (DML), vinculado ao Instituto-Geral de Perícias (IGP), na Capital. Para ela, o ramo já foi mais masculino, mas aos poucos vem agregando um olhar feminino nas investigações. “A apuração deve ser meticulosa para contribuir para que a Justiça se cumpra”, explica. Natural de Lagoa Vermelha, Márcia diz que no seu trabalho é preciso certo distanciamento no quesito emocional.
Conquistas e datas importantes relativas às mulheres pelo mundo
1759 – Lançamento do texto “Declaração dos Direitos da Mulher”, da francesa Olympe de Gouges
1827 – Surge no Brasil a primeira legislação relativa à educação de mulheres; a lei admitia meninas nas escolas elementares
1848 – Nova Iorque tem o primeiro encontro de direitos femininos
1857 – Mais de cem operárias morrem queimadas em uma fábrica têxtil em Nova Iorque. Elas reivindicavam redução da jornada de trabalho de mais de 16 horas
1879 – O governo brasileiro abriu as instituições de ensino superior às mulheres
1887 – Rita Lobato Velho Lopes tornou-se a primeira mulher a receber o grau de médica, no Brasil
1893 – Nova Zelândia foi o primeiro país a conceder o direito de voto às mulheres
1899 – Myrthes de Campos, a primeira advogada do Brasil, foi admitida em Tribunal de Justiça para defender cliente, de forma inédita
1910 – A professora Deolinda Daltro funda o Partido Republicano Feminino no Brasil
1928 – As mulheres conquistam o direito de disputar provas olímpicas.— O governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, obteve uma alteração da legislação eleitoral para conferir o direito de voto às mulheres no seu Estado
1932 – O direito ao voto ficou garantido às mulheres através do Novo Código Eleitoral promulgado pelo presidente Getúlio Vargas
1933 – Foram eleitos 214 deputados e uma única mulher: a paulista Carlota Pereira de Queiroz para a Assembleia Constituinte
1951 – Foi aprovada pela Organização Internacional do Trabalho a convenção de igualdade de remuneração entre trabalho masculino e feminino para função igual
1974 – Na Argentina, Isabel Perón torna-se a primeira presidente
1975 – A Organização das Nações Unidas institui o Ano Internacional da Mulher
Fonte: Monitoramento da Cedaw. Publicado em 08 de março de 2014.